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MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO propôs a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de liminar, em face de EURO DATA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO AMERICANA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO BAURU EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO GUARÁ EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO CUMBICA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO GUARULHOS EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO ITAQUERA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO JUNDIAÍ EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO LIMEIRA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO MOGI EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO PENHA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO PIRACICABA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO RIBEIRÃO PRETO EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO RIO CLARO EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SANTANA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO TATUAPÉ EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EUROVALE EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SÃO MATHEUS EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SÃO MIGUEL EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SOROCABA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SUMARÉ EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EUROTAUBATÉ EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO VILA MARIA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO LAPA EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EUROSACO EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO PINHEIROS EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SANTO AMARO EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SANTO ANDRÉ EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO ABC EDIÇÕES CULTURAIS LTDA., EURO SÃO CAETANO EDIÇÕES CULTURAIS LTDA, RAMON FOGEIRO ASENSIO, MARCELO FOGEIRO ASENSIO e EDUARDO FOGEIRO ASENSIO, alegando em síntese, estarem as demandadas utilizando contratos de adesão idênticos, contendo cláusulas abusivas, atentando, assim, contra o Código de Defesa do Consumidor. Com a inicial os documentos às fls. 38/2346. Despacho que extinguiu o processo sem julgamento do mérito com relação a co-ré Euro Sumaré, concedeu medida liminar vedando a denominada venda casada, e indeferiu o pedido de liminar em relação a declaração de ineficácia das cláusulas contratuais, às fls.2350/2351. Os réus foram regulamente citados às fls.2389/2415, O GRUPO EURODATA, representando 21 empresas do grupo e os sócios Marcelo e Ramon contestaram a fls.2588/2616, aduzindo em síntese, a ilegitimidade do MP para propor a presente demanda, a impossibilidade jurídica do pedido, não fazer a modalidade de venda casada, ter feito alterações em seus contratos, e não estar aplicando nenhum tipo de multa abusiva. Juntou os documentos fls.2617/2831. A Eurosasco apresentou sua contestação (fls.2834/2862), alegando, preliminarmente carência da ação, no mérito, defendeu não estar infringindo as normas dispostas pelo Código de Defesa do Consumidor. Juntou documentos às fls.2863/2885. A fls. 2907/2908 o Ministério Público se manifestou nos autos requerendo a inclusão no pólo passivo da empresa Euro Campinas Edições Culturais Ltda. Os réus Eduardo Fogeiro Asênsio, Eurolapa Ediçõe Culturais Ltda., Eurosanto Amaro Edições Culturais Ltda, Eurosanto André Edições Culturais Ltda. Europinheiros Edições Culturais Ltda., Eurosão Caetano Edições Culturais Ltda. e Euro ABC Edições Culturais Ltda. apresentaram contestação (fls. 2983/3010), argüindo em preliminar carência de ação, ausência de pressupostos processuais e ilegitimidade de parte. No mérito, alegam que não existe qualquer violação ao Código de Defesa do Consumidor, bem como inexiste prática de venda casada imposta pelas rés aos seus consumidores; que não há abusividade da multa moratória e nem à cláusula penal compesatória. O Ministério Público manifestou-se em réplica a fls. 3099/3115. Foi designada audiência de conciliação que restou infrutífera (fls.3181). FALTA COMPLEMENTAR O RELATÓRIO É o relatório. DECIDO. 1. Das preliminares Rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público, uma vez que a ação civil pública deve ser proposta sempre que for necessária à tutela de direitos coletivos e difusos, como ocorre no caso vertente, onde há o interesse da coletividade dos consumidores, potencialmente lesada pelas cláusulas contratuais que se afirma ilegais, independentemente da ocorrência efetiva de danos materiais e morais. Reconheço a ilegitimidade passiva dos sócios RAMON FOGEIRO ASENSIO, MARCELO ASENSIO e EDUARDO ASENSIO, porque não comprovado abuso na utilização da personalidade jurídica das empresas de que são sócios e ademais o simples receio de que possam vir a formar novas empresas não justifica a inclusão deles no pólo passivo de ação em que se discute a validade de cláusulas contratuais. 2. Da alegação de venda casada A venda casada existe quando o consumidor se vê impossibilitado de exercer sua prerrogativa de escolha quanto à aquisição de produtos ou de serviços, ficando compelido a adquirir ambos. No caso dos autos, isto não ocorreu porque as empresas requeridas não condicionam a venda de um bem ou a prestação de um serviço à aquisição de outro bem ou serviço. Os contratos juntados aos autos (fls.2618/2638) deixam clara a possibilidade do consumidor adquirir os cursos e livros separadamente. Não havendo assim de se falar em venda casada. De outra parte, os documentos de fls.60/62 revelam ainda que as rés mantém contratos só de cursos e de cursos e material, conforme escolha do consumidor, e dessa documentação depreende-se que não há venda casada praticada pelas requeridas ou sob este aspecto violação ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Na verdade, as requeridas não condicionam o fornecimento do produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço mas vende pacotes de curso e materiais ou só materiais, o que não se mostra nocivo ao consumidor ou ilegal. O fato de ser usual a comercialização de cursos e livros não significa que ela seja obrigatória. 3. Da obrigatoriedade de aquisição da totalidade dos cursos Quanto ao ?curso integrado de ambiente windows?, trata-se de um único produto, envolvendo vários módulos e conteúdos e portanto sua forma de comercialização não é ilegal ou abusiva. Não há portanto imposição à aquisição de quantidade determinada mas a venda de um único produto, composto por vários módulos. Observe-se que as requeridas não têm o monopólio dos cursos de informática nas regiões em que atuam e portanto o consumidor pode contratar com ela o curso integrado ou procurar outras empresas. A existência de cursos separados para cada tema e com preços distintos (modalidade VIP, criada pelas rés após a instauração do inquérito civil) não significa que a venda do curso integrado, envolvendo todos os módulos, seja abusiva. Aliás, a pretensão do Ministério Público em exigir que as requeridas vendam os cursos separadamente revela indevida ingerência no desenvolvimento da atividade empresariam das rés e da livre iniciativa, princípios também agasalhados pela Constituição Federal. Ressalto ainda que as requeridas demonstraram que a venda do curso integral gera para o consumidor um custo menor, de forma que a ele compete decidir se irá adquirir o curso completo, por um preço mais acessível, ou os cursos VIPS, com preços individualizados. E como não há venda casada, ao optar por adquirir o curso completo o consumidor pode optar por comprar todos os livros ou por adquirir somente os serviços e se o curso escolhido for da modalidade VIP, o adquirente pode optar por adquirir os livros do referido curso ou ter somente os serviços. Não vislumbro, portanto, qualquer ilegalidade nos contratos celebrados. 4. Da multa moratória O caput do art.52, do CDC, deixa claro que a multa moratória de 2% prevista no d 1º incide apenas para os casos em que o fornecimento de produtos ou serviços envolvam concessão de crédito ou de financiamento ao consumidor. O consumidor que firma contrato com as requeridas para receber cursos de informática ou adquirir livros está se comprometendo a pagar um determinado valor, de forma parcelada, para receber em contraprestação uma prestação de serviço, um bem ou ambos, e não para a entrega de importância pecuniária. A norma do art.52 diz respeito a um tipo específico de contrato, que é o fornecimento de produto ou serviço acompanhado de concessão de crédito ou financiamento, o que não é a hipótese dos autos. Confunde o representante do Parquet a venda ou prestação de serviços mediante pagamento de preço em parcelas ou prestações sucessivas com a concessão de crédito ou financiamento. Nestas há um adiantamento do preço, que é financiado ao adquirente do produto ou serviço e por este adiantamento há cobrança de encargos contratuais, de forma que o valor da soma das parcelas supera o preço inicial. Naquelas não há incidência de quaisquer encargos adicionais e o preço à vista é igual ao preço parcelado e é esta justamente a situação dos contratos das requeridas, conforme se depreende dos documentos de fls.88/119, trazidos aos autos pelo próprio autor. Portanto, não existe abuso na cláusula que estabelece a multa moratória em 10%. 5. Da multa compensatória A contratação da cláusula penal compensatória é prática lícita, uma vez que firmado um contrato ele deve ser cumprido até o final. Não seria justo permitir que o consumidor abandonasse o curso sem qualquer ônus, deixando a empresa prestadora de serviços com o prejuízo decorrente da manutenção do restante do contrato pois para tanto tem que pagar os professores contratados e manter a estrutura administrativa e pedagógica. Apesar disso, a forma de cálculo e cobrança da multa compensatória adotada pelas requeridas mostra-se efetivamente abusiva e merece reparos. Com efeito. Embora a resilição unilateral e imotivada do contrato pelo consumidor cause prejuízos ao prestador de serviços, notadamente quando o contrato se protrai ao longo do tempo, a reparação destes prejuízos por meio de cláusula compensatória deve se dar de forma proporcional e razoável, sem criar em favor do prestador dos serviços ou do alienante do produto vantagem exagerada. No caso, a multa compensatória de 30% sobre o valor total do contrato é abusiva pois o correto é que ela incida de forma proporcional, levando-se em conta o quanto já cumprido do ajuste, mormente na hipótese dos autos em que o produto, curso completo para windows, é dividido em módulos perfeitamente identificados. Neste sentido, aliás, é o artigo 413 do Código Civil (artigo 924 do Código de 1916). A multa compensatória, portanto, deve incidir de forma proporcional ao tempo de cumprimento do contrato. O percentual de 30% também se mostra demasiado pois confere às requeridas vantagem exagerada e como parâmetro para sua fixação mostram-se adequadas as disposições do Decreto 22.626/33, que considera nulas as cláusulas penais superiores a 10%. Por fim, é nula a cláusula que exige para o cancelamento do contrato que o consumidor se encontre em dia com o pagamento de suas parcelas pois tratando-se de relação de consumo de trato sucessivo, o direito de arrependimento e resilição do ajuste deve ser assegurado sempre ao consumidor, mormente quando ele não tem conseguido honrar com as parcelas contratadas e não deseja aumentar o seu débito. Não é justo impor ao consumidor a condição de encontrar-se em dia com suas obrigações para efetuar o cancelamento do contrato, uma vez que a inadimplência não deve ser confundida com a desistência. O inadimplente deve arcar com as parcelas vencidas sim, não sendo, porém, obrigado a permanecer no curso durante o processo de solvência, o que lhe causaria inclusive aumento da dívida e impediria a desistência, que é da natureza dos contratos de trato sucessivo. Portanto, reconheço a nulidade das cláusulas penais compensatórias inseridas nos contratos das requeridas e que estabeleçam: - como condição para o cancelamento do contrato a inexistência de mora do consumidor; - multa compensatória superior a 10% do valor total do contrato; - multa compensatória calculada sem levar em conta a proporcionalidade que deve haver entre a pena e a parcela do contrato já cumprida pelo consumidor. Com relação ao contrato de venda do material didático, o pagamento deve ser feito de forma integral, pois o consumidor optou por comprar um produto e não tem o direito de devolvê-lo, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor não permite o direito de arrependimento após o prazo nele fixado. 6. Da condenação dos réus pessoas físicas A condenação dos réus como pessoas físicas a qualquer tipo de obrigação encontra-se prejudicada em face da reconhecida ilegitimidade passiva e deste modo o pedido formulado na alínea ?c7? da inicial deve ser extinto sem apreciação do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil. 7. Da reparação dos danos causados. Reconhecida a ilegalidade na forma de cálculo da multa compensatória, os réus devem ser condenados a ressarcir os prejuízos causados aos consumidores em decorrência das multas que tenham sido calculadas em desacordo com a presente decisão, tal como dispõe o artigo 95 da Lei 8.078/90. Ante o exposto e o que demais nos autos consta, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda, para: 1) Declarar nulidade das cláusulas penais compensatórias inseridas nos contratos das requeridas e que estabeleçam: - como condição para o cancelamento do contrato a inexistência de mora do consumidor; - multa compensatória superior a 10% do valor total do contrato; - multa compensatória calculada sem levar em conta a proporcionalidade que deve haver entre a pena e a parcela do contrato já cumprida pelo consumidor. 2) Condenar os réus: a) a ressarcir os prejuízos causados aos consumidores em decorrência das multas que tenham sido calculadas em desacordo com a presente decisão, tal como dispõe o artigo 95 da Lei 8.078/90; b) em obrigação de não fazer consistente em abster-se de utilizar nos contratos que firmarem cláusulas em desacordo com o decidido nesta sentença e por ela consideradas nulas, sob pena de multa que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por contrato irregular que vier a ser celebrado, corrigida monetariamente pela Tabela do TJSP desde a publicação desta sentença, e a ser revertida em prol do Fundo de Reparação de Interesses difusos lesados. Revogo a medida liminar anteriormente concedida pois em desacordo com o aqui decidido. Em decorrência da parcial procedência cada parte arcará com as suas custas e despesas que desembolsou. Inexistente condenação em verba honorária. P.R.I.C. São Paulo, 31 de julho de 2006. PAULO GUILHERME AMARAL TOLEDO JUIZ DE DIREITO

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